Muito antes da memorável tríplice coroa em 1999, Peter Schmeichel já era um goleiro de extremo nível e classe, tanto protegendo as redes como contra elas. E tudo começou quando fez parte do incrível plantel da Dinamarca campeã da Eurocopa de 92, em que se tornou um dos heróis na decisão contra a Alemanha e foi escolhido como o melhor da posição pela seleção do torneio, que hoje faz 24 anos da final em Gotemburgo, na Suécia.
Depois de chegar perto do título na Euro em 84 e na épica estreia na Copa do Mundo de 1986, caindo em ambas ocasiões para a talentosa Espanha, os dinamarqueses buscavam voos maiores no embalo de sua geração forte liderado pelos irmãos Michael e Brian Laudrup, o defensor veterano ex-United John Sivebaek e o próprio Schmeichel, que se destacava então no Brøndby e em 1991 se transferiu para o United. Com o desastre da Euro de 1988 e da não classificação para a Copa de 1990, o adorado treinador Sepp Piontek foi demitido do cargo, e entrou no lugar Richard Møller Nielsen, que trabalhou até então nas camadas juvenis e como auxiliar da seleção.
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Naquele momento, podia-se dizer que Nielsen tinha dois pontos ao seu favor na preparação de seu escrete. Um que não havia mundial para disputar, ou seja teve mais tempo, e outra que a sede da Euro em 92 era no vizinho, Suécia, onde não teria tantos problemas no quesito do ambiente de sua equipe. Então as mudanças começaram. Peter Schmeichel tornou-se titular absoluto debaixo das traves; Com a aposentadoria do veterano Morten Olsen, Lars Olsen passou a vestir a braçadeira de capitão; E foram compostas várias novidades principalmente do Brøndby e Lyngby (os clubes sensações do país). Também é bom destacar que Michael Laudrup, o maior craque dinamarquês nos anos 80, passou por atritos com Nielsen e não foi selecionado para o torneio, então o protagonismo virou-se para o seu irmão mais novo, Brian. Porém, nada de tão radical. Alguns foram mantidos como Sivebaek, os meias ofensivos John Jensen e Kim Vilfort, e o artilheiro Flemming Povslen, que inclusive foi promovido para a numeração 9.
Nas fases classificatórias, com extrema dificuldade e um futebol não tão empolgante, os dinamarqueses empataram uma com a Irlanda do Norte e perderam uma para a Iugoslavia, mas com seis triunfos na conta, com Schmeichel realizando três clean sheets (jogos sem levar gols) no somatório de oito partidas. Na tabela final, porém, ficaram a um ponto da líder Iugoslavia, o que dizia que os comandados de Richard Nielsen colecionavam mais um fracasso para o povo escandinavo. Mas como a Iugoslávia estava em plena uma guerra civil (que resultou na separação de territórios e na queda do reino), por ordem da FIFA, a seleção do país comunista foi suspensa do futebol, e entregou a tão esperada classificação para a Dinamarca.
Na fase final no mesmo grupo com a anfitriã Suécia, França e Inglaterra, não seria nada fácil para a Dinamarca bater de frente pelo estilo de jogo pouco empolgante, que é completamente inversa a proposta que está no papel. E realmente não foi fácil. A princípio com o empate sem gols contra a seleção inglesa do capitão Gary Lineker, sofreram uma desanimadora derrota para os suecos do goleiro Thomas Ravelli, e precisavam de vencer os franceses por um gol e torcer para o triunfo dos anfitriões contra os ingleses. Dito e feito, Henrik Larsen e Lars Elstrup fizeram os gols que os dinamarqueses tanto sonhavam na vitória por 2 a 1, e os suecos viraram sobre os ingleses pelo mesmo placar. E a história se repetia ao almejarem as semifinais depois de oito anos.
De um lado, a Suécia encarava a gigante Alemanha, enquanto Peter Schmeichel e companhia enfrentava a Holanda de Van Basten e Ruud Gullit, atuais campeões do torneio. Mas o que os holandeses não conseguiram conter foi Henrik Larsen, o inspirado meia que abriu o placar aos cinco minutos de jogo e ampliou aos 33, depois de Bergkamp ter igualado a marca dez minutos antes. No segundo tempo, Frank Rijkaard empurrou para as redes no meio da confusão em jogada de escanteio. E então, a decisão foi para os pênaltis após a prorrogação não ter rendido nenhum tento marcado. Ronald Koeman abriu o placar, Henrik Larsen igualou, Van Basten perdeu para o gigante Schmeichel que saltou para o lado esquerdo, Povlsen colocou a Dinamarca na frente, Bergkamp, Rijkaard e Witschge fizeram suas partes, enquanto Elstrup, Vilfort até Kim Christofte tomar pouca distância e acertar a quinta cobrança, fazendo daquela noite no dia 22 de junho ainda mais especial, mesmo diante do pouco que se esperava da seleção de Richard Nielsen.
Enquanto isso, a Suécia que tinha a máquina Tomas Brolin, passou perto de eliminar a Alemanha, mesmo diminuindo a vantagem nos minutos finais para 2 a 3, mas sucumbidos por outro artilheiro: Karl-Heinz Riedle com dois tentos, que encaminhou os germânicos para mais uma decisão depois de 12 anos. Nielsen propôs a formação 5-3-2 com Vilfort e Jensen protegendo o meio campo, Henrik Larsen como meia atacante, e Povslen como avançado enquanto Brian Laudrup como segundo atacante. Enquanto a Alemanha de Vogts entrou com escalação similar, mas com o diferencial no capitão Andreas Brehme, Matthias Sammer, e a dupla ofensiva Riedle e Jurgen Klinsmann.
A decisão começou naturalmente com a Alemanha maior em campo, com poucos espaços mas testando Schmeichel em jogadas de cruzamentos. Aos 18 minutos, Povslen e Vilfort brigavam pela bola na direita com Kohler e Brehmen, até que Povslen vence o duelo e na entrada da área passa a bola livre para John Jensen arrematar com tudo para o fundo das redes, que foi o seu primeiro gol tanto na história da seleção, como na contagem do placar. Mas os alemães continuaram na busca pelo resultado, mesmo com um jogo mais equilibrado e brigado no meio campo, chegaram perto de igualarem, com Klinsmann e Sammer trabalhando Schmeichel, que operou grandes defesas.
Enquanto no segundo tempo novamente só dava Alemanha, abusando nas jogadas de lançamentos incessantemente, a Dinamarca adotava o perfil a base do contra ataque, mas sem sucesso com tamanhas chances perdidas de ampliarem a vitória. Os germânicos chegaram próximos do gol quando Klismann pela direita tentou encobrir Schmeichel, mas não contava com o zagueiro Kent Nielsen tirar a bola na linha gol, com Riedle logo atrás perto de empurrar. Logo depois, aconteceu uma das defesas mais famosas e milagrosas do goleiro, ao espalmar no segundo andar a cabeçada potente de Klinsmann, revelando para o mundo o gigante, se colocando entre um dos mais influentes, incansáveis e ilustres de sua época, com apenas 28 anos de idade.
E diante da atuação impecável do arqueiro, serviu de inspiração para o poderio ofensivo voltar a operar como antes. Aos 78 minutos no meio de campo, Claus Christiansen, que havia entrado há 12 minutos no lugar de Sivbaek, ganhou a disputa de cabeça, que caiu nos pés de Kim Vilfort para superar Brehme, puxar para a esquerda, se livrando de Thomas Helmer, para mandar no canto rasteiro, sem chances para Illgner alcançar, marcando o tento para a equipe, para sua família (sua filha que sofria leucemia), e acima de tudo para o país que pela primeira vez levantou a primeira taça europeia.
O conto de fadas que se tornou realidade. Graças ao espírito de pioneirismo, liderança e garra de Peter Schmeichel, partilhado entre os colegas, inclusive de Brian Laudrup que esteve na seleção dos melhores e Henrik Larsen que foi um dos que garantiu a Bota de Ouro do torneio. Espírito este que voltou a encarnar no Manchester United, seja defendendo, marcando gols, ou conquistando a inédita tríplice coroa de um clube inglês, mas contudo como o primeiro (e até agora único) a dominar a Europa com muita propriedade.
“Creio que, acima de tudo, só assimilamos o que se passou quando chegamos à praça do município de Copenhague para os festejos com o resto do país. Foi inacreditável, verdadeiramente inacreditável. Nessa altura, pensamos: “De facto, ganhámos isto. Não é um sonho.””, disse Peter Schmeichel à UEFA.