Por Mauro Sanders
22/02/2016
Vinte e três de setembro de 2015. É horário de verão no hemisfério norte. São seis e meia da tarde e o sol está forte. Estou em um desses ônibus de dois andares que faz a ligação entre Salford e Trafford. Na avenida que leva o mesmo nome do bairro, há mais ou menos cinco quarteirões da entrada do estádio, estou cercado pela mais pura e simples felicidade.
Não apenas aquela estampada no meu rosto, mas aquela que arrebata minha atenção pelo vidro da janela desse bus. A cidade respira animação. As crianças correm em grupos brigando para quem vai ser o Rooney. Há meio quilômetro do estádio um exército de Waynes, Memphis, Martial deixam claro um ritual passado de geração a geração: hoje é dia de alegria, hoje é dia de Manchester United.
Eu nunca tinha ido a um estádio na minha vida, e ter a primeira vez logo em Old Trafford é tipo perder a virgindade com a Juju Salimeni. Com direito a Sasha Grey no segundo tempo. Já mais perto do Teatro dos Sonhos, acompanho o ritual sagrado que é participar com os torcedores caminhando e cantando:
WE LOVE UNITED, WE DO
WE LOVE UNITED, WE DO
WE LOVE UNITED, WE DO!
OH, MAN UNITED, WE LOVE YOU
E a emoção que não cabia no peito escorria pelos olhos. Sim, senhoras e senhores, eu estava lá. Lembro que ao atravessar a rua eu ficava um bom tempo certificando que nenhum caminhão bitrem mais ou menos na velocidade da luz passaria por cima de mim e mataria o sonho. E que sonho! Quando a estátua The United Trinity com Denis Law, Bob Charlton e George Best apareceu acenando para mim, pensei:
O espetáculo do teatro dos sonhos finalmente não é mais um sonho!
Vários ambulantes chegaram e me fizeram comprar bugigangas irresistíveis como um broche da camisa sete de Cantona e um cachecol do United. Nessa época eu ainda não era sócio torcedor, então tive que imprimir meu ticket no escritório ao lado do estádio. Até lá, uma multidão se revezando para tirar as melhores fotos com os melhores ângulos. Como esse clube é amado, pensei. Dei uma baita volta. Peguei uma fila e fui em direção de Stretford End: o setor de torcida mais icônico do estádio.
Eu não tenho filhos, mas a ansiedade que me subia degrau por degrau pelas escadas de Old Trafford é como a do pai que caminha para conhecer seu primogênito. Nas escadarias você não vê nada além dos famosos tijolinhos vermelhos que estão por toda Inglaterra, os red bricks. Quando cheguei na ala onde minha cadeira me esperava, entrei numa espécie de ante salão onde há os banheiros, banco de apostas e a venda de comes e bebes. É preciso salientar a extrema educação dos funcionários. Sempre com sorriso no rosto, extremamente solícitos e dispostos a te ajudar.
Caminhei uns dez metros em direção a entrada das arquibancadas. Para ir até lá é uma escadinha de cinco degraus, de modo que voce fica de cara a cara com a verdadeira entrada para o Teatro dos Sonhos. É uma escada apertadinha, onde não passam mais que duas pessoas por vez. Essa sacada arquitetônica achei genial, pois a cada degrau que se sobe você já vai sentindo aquela claridade dos holofotes misturada com uma energia que apenas um verdadeiro torcedor do United poderia traduzir. Essa energia veio na forma de uma inesperada e forte onda de vento (naturalmente por eu sair de um lugar abafado para um amplamente aberto) que arrepiou todo meu corpo. Eu não me contive, caras! Chorei.
Você tem noção que nesse retângulo verde-imponência reinou Eric Cantona? Que nesse corrimão onde me apoio, pois minhas pernas bambearam, alguém já sentiu o mesmo quando George Best pegava na bola e desconcertava, além de vários zagueiros, uma multidão de torcedores ? Que nesse maldito gol na minha frente Paul Scholes meteu aquele golaço que nos classificou contra o Barcelona na semi final da Champions League em 2008 ? Com o perdão da palavra: puta que pariu, que foda! Que momento! Se é verdade que quando morremos as partes importantes da vida passam como um filme antes do suspiro final, é exatamente nessa memória que irei re-perder o fôlego.
Desci pelas fileiras de cadeiras em busca da minha. Havia apenas uma que me separava de um grupo de garotos. Eles olhavam para mim e cochichavam. Não ouvi, mas aposto que foi um “olha a cara embasbacado desse turista”. Um deles olhou para mim e perguntou: Hey pal, is this your first time?
Até o van Gaal com toda sua cegueira teria visto meu sorriso de longe. Apenas respondi:
Maaaaan, Old Trafford it is fucking amazing bro, it is fucking amazing! Holy shit, fuck off!
Eles riram por um bom tempo. Nisso os jogadores entravam para o aquecimento. Nosso espanhol no gol e a galera chutando. Para minha surpresa, naquele jogo da Copa da Liga contra o Ipswich Town estavam escalados de Gea, Rooney e Martial. Fellaini (que “surpresa”) também, e quando ele chutou para o gol de de Gea foi uma monstruosidade. A bola subiu quase três arquibancadas. A torcida, irônica que só ela, aplaudiu e elogiou o cotonete humano.
Bola rolando. Quarta-feira à noite num jogo de Copa da Liga e o estádio está lotado. O primeiro gol saiu logo nos primeiros minutos com uma jogada rápida de Wayne Rooney. Na segunda metade temos o primeiro gol pelo time principal do nosso brasileiro Andrinho. Um belíssimo gol de falta (cortesia de Juan Mata). Nos minutos finais, mais um gol para o United: Anthony Martial.
A torcida era pura alegria. Cantávamos sem parar. Éramos apenas uma voz. Éramos apenas um coração. Éramos apenas… United.
(Acompanhe os jogos do Manchester United de dentro do estádio pelo snap imsanders dia 28 contra o Arsenal).