O time que Matt Busby tinha construído com base na sucessiva política de apostar nos jovens parecia destinado a dominar o futebol por muitos anos. Tanto era o poder dos “Babes” que pareciam invencíveis. A média de idade que ganhou o título em 1955-56 era de 22 anos, o mais jovem da história a ganhar o campeonato. Um ano depois que ganharam o título novamente, nada parecia segurar os bravos jovens do Manchester United de reinar durante a próxima década.
Jogadores, oficiais e jornalistas preparam-se para entrar no BEA Elizabetha, que iria cair em Munique. O avião parou no aeroporto alemão cheio de neve para reabastecer para levar o grupo de volta à Inglaterra, vindo da Iugoslávia.
O United tinha dado seus primeiros passos no futebol Europeu, desafiando as autoridades inglesas, e foi em solo estrangeiro que o último capítulo da história dos Babes seria escrito. O avião levando o grupo de volta depois de uma vitoriosa visita à Iugoslávia caiu na neve do aeroporto de Munique, e não existiram mais os Babes.
Os jovens campeões saíram de Manchester para enfrentar o Estrela Vermelha de Belgrado. Cinco dias antes, o United tinha jogado contra o Arsenal em Highbury, e emocionou aqueles que viram o jogo com uma performance de futebol que virou sua marca registrada, o ataque! Nove gols foram marcados, quatro do Arsenal, cinco do United.
Aquele jogo, em um sábado, 1º de fevereiro de 1958, tinha caracterizado os Busby Babes. Eles jogaram com tanta vontade e entusiasmo que não ligavam em conceder quatro gols, no esforço de marcar 5. O United estava tentando ganhar o campeonato pelo terceiro ano consecutivo, e já havia atingido a 5ª fase da FA Cup.
Para marcar a cena da tragédia que chocou o mundo do futebol, vamos considerar como a temporada 1957-58 levou a um jogo simbólico com o Arsenal e a jornada final para a Iugoslávia. Para o United, a temporada começou bem, com vitórias sobre o Leicester em Filbert Street, depois Everton e Man City em Old Trafford, sendo o lançamento perfeito para o título. Os gols marcados foram memoráveis, 22 nos seis jogos iniciais. No entanto, quando perderam pela primeira vez, não foi por um golzinho, mas por 4-0 em Burden Park, para o Bolton Wanderers, frente a um público de 48.003.
No final de 1957, os Babes perderam por 1-0 para o Chelsea em Old Trafford, depois se recompuseram e ganharam do Leicester, por 4-0. No dia de Natal, com gols de Charlton, Edwards e Taylor, ganhou os dois pontos do Luton, em Manchester. No Boxing Day jogaram novamente contra o Luton em Kenilworth Road, e empataram em 2-2. Dois dias depois o derby com o Manchester City terminou com o mesmo placar em Maine Road. Um público de 70.483 pessoas assistiram o jogo com os rivais se debatendo por orgulho e por pontos também.
Com o jogo da Copa da Europa contra o Estrela Vermelha se aproximando, o time avançou na FA Cup com uma vitória por 3-1 contra o Workington e uma de 2-0 contra o Ipswich, que garantiu a passagem para a 5ª fase, onde iriam enfrentar o Sheffield Wednesday.
Mas o terceiro objetivo de Matt Busby, sucesso na Europa, era talvez o melhor. Em 1956, o United se tornou o primeiro clube inglês a competir na Copa dos Campeões da Europa, caindo na semi-final para o poderoso Real Madrid, ganhadores da competição nos primeiros cinco anos.
Naquele ano, a semente da Europa foi plantada. O Manchester tinha visto as habilidades de Di Stefano, Kopa e Gento, tinha marcado 10 gols contra o Anderlecht da Bélgica, depois segurou o Borussia Dortmund, antes de um sensacional jogo contra o Atletico de Bilbao. Nesse jogos os Babes desafiaram a lógica, virando um placar de 5-3 do primeiro jogo, em uma vitória de 6-5, com gols de Taylor, Viollet e Johny Berry, para garantir o direito de enfrentar o Real na semi-final.
Foi onde terminou a campanha, mas quando o United se qualificou novamente para jogar a competição em 1957-1958, foi óbvio onde as prioridades do clube estavam. Matt Busby queria um time bom o bastante para ganhar tudo. A FA Cup tinha sido tirada de suas mãos por causa de uma contusão do goleiro Ray Wood na final de 1957, mas seus Babes eram capazes de alcançar Wembley mais uma vez, e com a conquista dos títulos de 1956 e 1957, poderiam igualar as marcas de antes da guerra do Huddersfield Town e do Arsenal, conquistando o tri-campeonato.
A segunda participação na competição Européia viu o United passar pelos campeões da Irlanda Shamrock Rovers, antes de ganhar do Dukla Praga por 3-1 no placar agregado, para alcançar as quartas de final contra o Estrela Vermelha. Os Iugoslavos vieram à Manchester em 14 de janeiro de 1958, e jogaram contra um time que tinha empatado com o Leeds em Elland Road por 1-1, e que foi derrotado por 5-0 no começo da temporada em Old Trafford.
Bobby Charlton e Eddie Colman marcaram os gols que deram a vantagem para o United, no fim por 2-1, mas que seria apertado para jogar em Belgrado. Os jogos antes do segundo jogo foram encorajadores, com vitórias por 7-2 contra o Bolton, com gols de Bobby Charlton (3), Viollet (2), Duncan Edwards e Albert Scanlon, foi o que o United precisava antes de visitar o Arsenal em Highbury, e de sair na cansativa viagem atrás da Cortina de Ferro.
Clássico de Highbury
O time do United que enfrentaria o Arsenal era o mesmo que iria começar a partida contra o Estrela Vermelha quatro dias depois. Com o selecionável da Irlanda Harry Gregg, uma nova contratação, no gol, o United estava sem alguns dos seus titulares. Jackie Blanchflower, o zagueiro que tinha substituído Ray Wood no gol na final da FA Cup, estava ausente, junto com os pontas David Pegg e Johnny Berry, e o criativo atacante Liam Whelan, todos sendo poupados por Busby.
Os dois defensores eram Bill Foulkes e o capitão Roger Byrne, o meio com Eddie Colman, Mark Jones e Duncan Edwards, com a linha de frente formada por Ken Morgan, Bobby Charlton, Tommy Taylor, Dennis Viollet e Albert Scanlon.
Jack Kelsey estava no gol dos Gunners e ele foi o primeiro a provar o poder do United. Com dez minutos de jogo, Dennis Viollet tocou em profundidade para Duncan Edwards que finalizou com tanta ferocidade que a bola passou por Kelsey, mesmo com todos os esforços do selecionável do País de Gales. O gol foi típico de Edwards. Seu poder e força se tornaram marca registrada de seu jogo, mesmo sendo jovem. Duncan tinha somente 21 anos, e já tinha jogado 18 vezes pela Inglaterra e representado seu país em todas as categorias. Em sua curta carreira com o United, jogou 151 jogos e aquele gol na tarde de fevereiro foi seu 19º e último na Liga.
Duncan Edwards abre os braços pedindo o tiro de meta, com o goleiro Harry Gregg tentando pegar a bola.
O Arsenal reagiu, com o apoio da imensa torcida, e Gregg teve que fazer uma grande defesa para impedir o empate. Ele de algum jeito conseguiu evitar um gol, pegando a bola embaixo do travessão, e essa defesa levou ao segundo gol do United. A bola foi jogada para Albert Scanlon na esquerda, e ele correu o campo inteiro antes de cruzar. Dois defensores do Arsenal foram atraídos para o canto pelo ponta do United e seu cruzamento achou Bobby Charlton entrando pelo meio, vindo da direita. O chute de Charlton não foi parado e tudo que Kelsey pôde fazer foi pular para aparecer na foto, mergulhando para a direita, mas o chute passou por ele e o jovem Charlton se virou para comemorar a liderança dos Babes por 2:0.
No intervalo já estava 3:0, e novamente a velocidade de Scanlon fez a diferença. O ponta avançou pela esquerda, passou pelo lateral direito do Arsenal Stan Charlton e cruzou para o outro lado do campo, onde o ponta direita Kenny Morgans pegou e levantou de volta para a área. O centro-avante da Inglaterra Tommy Taylor marcou seu 111º gol na primeira divisão em 5 temporadas pelo United.
O United parecia no caminho de uma vitória confortável, pronto para tirar 4 pontos do clube de Londres, já que havia ganho por 4-2 em Manchester no começo da temporada. Placares altos entre os dois parecia comum, com o United ganhando por 6:2 no caminho do título de 1956-57. Seria essa outra massiva vitória para os Babes ?
Por 15 minutos no segundo tempo não houveram gols, até que o Arsenal marcou com David Herd, mais tarde um jogador que seria do United, com um chute forte sobre o gol de Gregg. O grande Irlandês tentou tirar a bola, mas a força e precisão de Herd o sobrepassaram. Estava 3:1, com meia hora de jogo restando.
Em dois minutos o placar estava igualado, com o Arsenal realizando uma soberba reação. O meio campo Dave Bowen era o homem levando o Arsenal para frente, e estava envolvido na jogada que levou ao segundo gol. Vic Groves pulou mais alto que a defesa do United para cabecear um cruzamento de Gordon Nutt, que sobrou para Jimmy Bloomfield, que marcou. Foi Nutt novamente que passou para Bloomfield alguns 60 segundos depois para o Londrino atacante mergulhar e marcar um magnífico gol que transformou Highbury em um grande palco para o drama final.
Nenhum escritor poderia sonhar com um enredo para o último capítulo do desafio dos Babes para manter a supremacia na Football League. Ninguém naquela arena sabia que estavam testemunhando a última demonstração de pura geniosidade que tinha levado o futebol Inglês – e também Europeu, de certo modo – a um outro nível naquela década. Sobre o comando de Busby, os Babes criaram um novo estilo, um jogo que era refrescante, que fluía, divertia, e um jogo que colocou a Inglaterra no mapa novamente depois de perder para as habilidades dos Húngaros e Brasileiros no começo e meio dos anos 50.
Resistira o United à pressão do Arsenal ? Times menores teriam sido perdoados se tivessem defendido o empate, tendo uma vantagem de três gols desintegrada, mas o Manchester United foi à frente procurar mais gols, e achou.
A velocidade de Scanlon e a habilidade do jovem Charlton, combinaram para dar a Dennis Viollet o gol. Os torcedores do Manchester gritavam em delírio, e ainda mais quando alguns minutos depois Kelsey teve que pegar novamente a bola em seu gol pela quinta vez, depois que Eddie Colman achou Morgans com um passe preciso e Tommy Taylor marcou seu último gol.
Mas ainda esse incrível jogo não tinha acabado. Derek Tapsfott correu pelo meio da exausta defesa do United para deixar o Arsenal novamente a um gol do United. Mas foi o último gol da tarde. O juiz apitou o fim do jogo e os jogadores desabaram nos braços uns dos outros. O United, com suas camisas brancas cheias de lama e arrastando seus corpos ofegantes, apertou a mão de seus oponentes. Os torcedores nas arquibancadas se abraçavam numa reação de puro divertimento com a partida, e o grande público deixou o estádio com o sentimento de que tinham testemunhado algo único no futebol.
O destino tinha decidido que para os fãs em casa esse jogo seria o epitáfio para aqueles jovens heróis do Manchester. Nas semanas seguintes muitas palavras seriam escritas sobre a grandeza dos Babes de Busby, e nos anos que se passaram desde o desastre aéreo de Munique eles se tornaram lendários, mas aquele placar de 5-4, em um jogo jogado totalmente com paixão e criatividade, aqueles milhares que assistiram, disseram tudo que tinha que ser dito. Eles sabiam que tinham visto algo especial nos jovens cavaleiros de Busby.
Belgrado
Depois daquele jogo simbólico, todos os olhares se voltavam para a Europa. Conseguiria o United segurar a vantagem daquele primeiro jogo ? Para os torcedores que ficaram parecia uma margem pequena, mas eles tinham fé nos jovens jogadores – afinal, eles não tinham provado seu valor diversas vezes naquelas circunstâncias ?
Matt Busby fala com seus jogadores, depois da refeição antes do jogo em Belgrado. Ouvindo a suas palavras, Bert Whalley descansa seu braço no ombro de Tommy Taylor, que tinha ao seu lado Jackie Blanchflower e Duncan Edwards. À direita está Dennis Violet e no fundo Bobby Charlton(direita) e Ken Morgans.
Para os jogadores, o úmido e cinza inverno de Manchester foi substituído pelo tempo ameno da Europa Central. Eles tinham visto neve em sua jornada para a capital Iugoslava, mas tinham sido recebido pelo calor do povo de Belgrado, que entendiam a grandeza do Manchester United, na linguagem universal do futebol.
Era a hora do jogo e os dois times se alinharam no estádio, enquanto o barulho de milhares de vozes Iugoslavas estremeciam os ouvidos dos Babes. Câmeras clicavam nas fotos de último minuto, e sobre os jogadores na área de imprensa os jornalistas ingleses preenchiam histórias que seriam lidas na Inglaterra na manhã seguinte. Entre eles estava Frank Swift, um homem gigante que tinha sido goleiro do Manchester City e da Inglaterra, e que tinha a reputação de ser o gigante gentil. “Big Swifty” tinha se aposentado e virou escritor de esportes do jornal “News of the World”, e seu papel em Belgrado era escrever uma coluna para a edição de Domingo.
Frank tinha jogado no mesmo time do Manchester City que Matt Busby e foi companheiro do técnico do United quando o City ganhou a FA Cup em 1934. O grande goleiro se tornou manchete desse jogo quando, com 19 anos, ele desmaiou no apito final, depois de ter se sujeitado a tanta emoção na ocasião. Talvez ele, mas que qualquer espectador, entendeu os sentimentos dos jovens jogadores enquanto estavam juntos para os últimos momentos antes do começo do jogo.
A última escalação dos “Busby Babes”. 5 de fevereiro de 1958, Belgrado. Da esquerda para a direita: Edwards, Colman, Jones, Morgans, Charlton, Viollet, Taylor, Foulkes, Gregg, Scanlon, Byrne.
Também se destacando na cheia sala de imprensa estavam os jornalistas que tinham viajado a Europa em todos os outros jogos do United: Tom Jackson do Manchester Evening News e seu grande amigo e rival Alf Clarke do já extinto Manchester Evening Chronicle. Ambos amavam o Manchester United e viveram para ver todos os jogos. Alf Clarke estava na história do United quando era amador, e estava com o clube antes de Matt Busby chegar e reconstruir o time depois da guerra.
Como Manchester era um centro de impressão para as edições do norte dos jornais nacionais, e também pela tremenda popularidade do time do United, a maioria dos jornais diários estavam presentes.
Do Daily Mirror estava Archie Ledbrooke, que quase foi substituído por Frank McGhee porque ele (Ledbrooke) ainda tinha trabalho a fazer pouco antes do vôo. Outros incluíam Eric Thompson do Daily Mail, George Follows do Daily Herald – o jornal diário que foi sucedido pelo The Sun depois de seu fechamento – Don Davies do Manchester Guardian, Henry Rose do Daily Express e Frank Taylor do News Chronicle, outra publicação que não existe mais.
Don Davies escrevia sobe o codinome de “Velho Internacional” e tinha feito parte do time Amador da Inglaterra que jogou contra o País de Gales em 1914, tendo sido um membro do famoso time de Northern Nomads. Em 5 de fevereiro de 1958, esta foi à história que Davies mandou para a redação do Manchester Guardian, em Cross Stree, Manchester:
“Quem teria sido um profeta do tempo ? Em Belgrado hoje em um sol caloroso e em um gramado em quem os últimos pedaços da neve derretida produzem o efeito de um gramado Inglês cheio de margaridas, o Estrela Vermelha e o Manchester United começam a batalha de inteligência e coragem na segunda partida das quartas de final da Copa da Europa. Terminou em um empate de 3-3, mas como o United ganhou a primeira em Old Trafford por 2-1, ganharam o direito de passar à semifinal da competição pelo segundo ano seguido, com o placar agregado de 5-4.
Para o alívio da comitiva Inglesa e para a consternação dos 52.000 torcedores da casa, Viollet guardou a bola na rede, passando a bola por um chocado Beara, em noventa segundos. Foi um bonito gol – em um esforço característico do jogador – mas com um pouco de sorte em contar com um rebote. Mas, como Jones disse, ‘Você precisa de sorte nesse jogo’, e deveria ter adicionado, ‘e uma corrente de sorte também viria a calhar’. Um segundo gol quase veio quatorze minutos depois, maravilhosamente chutado por Charlton depois que um escanteio cobrado por Scanlon foi desviado por Viollet, mas que foi anulado por impedimento pelo juiz austríaco, cuja performance no apito assumiram as proporções de um importantíssimo concerto de flauta. Isso foi devido à freqüência de faltas que foram cometidas por ambos os lados depois Sekularac definiu o “parâmetro” de baixeza ao atingir Morgans no joelho.
Mesmo com tantas paradas, o primeiro tempo foi tranqüilo para o United, em que Taylor liderou a linha ofensiva. Outros fatores que foram a favor do United foram às limpas mãos de Gregg no gol.
Mais sucesso para o United estava pra acontecer. Charlton dessa vez foi o instrumento escolhido. Desarmando Kostic na intermediária, esse talentoso garoto brilhantemente arrancou, disparando na frente, e derrotou o melhor goleiro do continente com um chute com tremenda força e colocação. Ali vai, eu pensava, com certeza a Jóia da Inglaterra no futuro. Mais evidência da “indicação” de Charlton para essa glória viria dois minutos depois. Uma falta inteligentemente batida pegou a defesa do Estrela Vermelha desprevenida. Edwards acelerou a bola e tentou bater com força (o que, mais tarde, ele conseguiria) mas o chute saiu “mascado” e a bola rolou para Charlton, aparentemente perdido no meio dos defensores do Estrela Vermelha. Cheque-mate, certamente. Mas não com Charlton por perto. Seu olho veloz detectou a rota certa através do círculo de pernas; seu confiável pé chutou sem erro. 3-0 no dia; 5-1 no total. Nada mal.
Naturalmente, os jogadores do Estrela Vermelha perderam completamente a noção por um instante. Seus atacantes mergulhavam fervorosamente contra a firme defesa; até mesmo Sekularac, depois de um bom começo em que mostrou sua habilidade, perdeu o chão visivelmente e tropeçava repetidamente. Mesmo assim, houve uma volta do velho espírito de luta quando Kostic marcou um belo gol para o Estrela Vermelha dois minutos depois do intervalo. Esse quase foi seguido por outro apenas três minutos depois quando Sekularac passou perfeitamente a bola para Cotic. Seu chute terrível passou a centímetros da trave – não mais. Depois, uma mistura curiosa de Foulkes e Tasic, o centro-avante do Estrela, terminou com Foulkes caindo em cima de Tasic e o tirando de vista. De acordo com Foulkes, Tasic perdeu o passo, caiu e levou Foulkes com ele. Mas pareceu grave e o juiz apitou, apontando o pênalti. Tasic teve a satisfação de marcar aquele, embora seu chute passou raspando os dedos de Gregg.
O placar agora estava 3-2 e a multidão explodiu em um frenesi incontrolável. Tanto que quando Cotic não tocou para o gol vazio – Gregg estava deitado machucado no gramado – uma repetição em miniatura do desastre de Bolton pareceu ocorrer em uma parte do estádio.
Nas arquibancadas a multidão desceu os degraus e se espremeram nas paredes de concreto com a respiração quase se extinguindo, como se nada tivesse acontecido.
Faltando quinze minutos para o fim, o Estrela Vermelha com sua confiança e respeito próprio restaurados, estavam rodando a bola, passando e chutando em seu melhor estilo, e a defesa do United teve que lutar para tentar sair de um pesadelo de uma situação desesperada.
Foi significante o fato que os atacantes do United não estavam mais voltando para marcar como tinham feito tão efetivamente no primeiro tempo e isso, claro, pôs mais pressão na retaguarda. Tão logo isso foi corrigido o ataque do Estrela, embora freqüente, perdeu um pouco do poder. Na verdade, o United começou a fazer pressão do outro lado e Morgans chegou a acertar a trave com um chute glorioso.
O ritmo furioso nunca diminuiu, e enquanto os campeões ingleses tentavam achar seu jogo de ataque do primeiro tempo, foram atingidos com uma tempestade de bola de neve. A dois minutos do fim, Harry Gregg saiu do gol, e trombou com toda força no pé de Zebec. Ele pegou a bola, mas o ímpeto de sua saída fez com que ele saísse da área com a bola, e o Estrela Vermelha tinha uma falta muito perto para bater.
Kostic viu Gregg se posicionar na 2ª trave, protegido por uma barreira dos jogadores do United. Havia apenas um pequeno espaço, perto da primeira trave, e Kostic, preciso como sempre, acertou esse espaço, enquanto Gregg se catapultava de um lado para o outro do gol. Muito tarde. A bola tocou a ponta dos seus dedos, e foi morrer no fundo da rede. O placar era 3-3”.
Sempre foi a ambição de Davie ser um escritor de futebol. Na maior parte de sua vida ele trabalhou como um oficial de educação em uma firma de engenharia de Manchester, mas depois que lhe foi sugerido que ele deveria tentar uma carreira de jornalista, ele foi aceito na equipe do Guardian quando um editor viu sua reportagem de um jogo fictício. Foi à chave que ele precisava para abrir a porta de uma carreira de escritor. Seu estilo era de um compositor, que combinava com o estilo do Manchester Guardian, e contrastava totalmente com o de Henry Rose, o mais popular escritor de sua época – certamente com os fãs do United.
Rose viu o jogo do mesmo ponto de Davies, no entanto sua descrição foi totalmente diferente:
Estrela Vermelha 3 – Manchester United 3
Nota do jogo : ***
“O Manchester United sobreviveu à batalha de Belgrado aqui esta tarde, e colocou outra brilhante página em sua já brilhante história, empatando por 3-3 com o Estrela Vermelha e vencendo o confronto por 5-4.
Eles tinham lutado não somente com onze desesperados jogadores e uma intensa multidão de 52.000, mas também com algumas decisões do juiz austríaco Karl Kainer que foram, para mim, discutíveis. Eu nunca havia testemunhado tamanha preferência para um time só por parte do árbitro, nem em casa, nem fora.
O clímax das interpretações de ‘Herr’ Kainer, que ajudaram a inflamar a multidão contra o United, veio no 55º minuto quando ele deu um pênalti de Foulkes, a estrela da defesa do United. Não há nada de errado com a minha vista – e Foulkes confirmou o que eu vi … que um jogador do Estrela escorregou e levou junto o jogador do United. Teria sido apenas uma piada de mau gosto se Tasic se não convertesse o pênalti.”
Mais tarde em sua matéria, Rose escreveu:
“Gregg estava machucado, Morgans e Edwards mancando; Byrne foi advertido por fazer cera. Os jogadores do United eram penalizados por faltas banais. Eu pensei que ‘Herr’ Kainer daria falta contra o United quando um dos gandulas tropeçou e caiu !”
Ele descreveu o time do United como:
“Todos heróis. Nenhum mais que Billy Foulkes. Nenhum mais que Bobby Charlton, que agora marcou 12 gols em 11 jogos que jogou desde que entrou no time na meia direita em 21 de dezembro. Mas todos os 11 jogadores fizeram um grande papel nessa memorável batalha.”
O jogo acabou e o trabalho estava feito, era hora de relaxar, e a comitiva de jornalistas se juntou aos dirigentes do United, jogadores e seus adversários do clube Estrela Vermelha para um banquete no Majestic Hotel em Belgrado. Era um encontro de amigos, sem levar em conta o desapontamento do clube da casa em perder tão importante jogo. Havia uma grande amizade entre os clubes nesses primeiros anos de competição Européia.
Em uma cena tocante, a refeição acabou quando garçons entraram na sala de jantar carregando bandejas com doces iluminados por velas, que estavam colocadas no gelo. A comitiva do United levantou para aplaudir a habilidade do chef Iugoslavo, e Roger Byrne liderou os colegas na cantoria:
“Nos encontraremos de novo, não sei onde, não sei quando, mas sabemos que iremos nos encontrar novamente em um dia de sol…”
A cena foi lembrada vividamente pelo escritor Iugoslavo Miro Radojcic em um artigo para o jornal Politika que foi traduzido para o inglês 20 anos depois por Geoffrey Grenn, e que foi publicado em “There´s only one United’ (Hooder e Stoughton, 1978). Parte do artigo:
“Depois se seguiram algumas palavras de Matt Busby e Walter Crickmer, dizendo: ‘Venham e visitem-nos, as portas de Old Trafford sempre estaram abertas para vocês’ … e depois daquela louca e amável noite, quando eu estava saindo, Don Davies do Manchester Guardian me disse: ‘Porque vocês não marcaram só mais um gol, aí poderíamos nos encontrar pela terceira vez !”
Radojcic ficou sentado na maior parte da noite pensando no artigo que planejava escrever para seu jornal. Politika não era uma publicação de esportes – na verdade ele era um escritor de política que era um grande amante do futebol e o brilho do jovem time do Manchester United o atraiu.
Depois de conversar e beber com Tommy Taylor e Duncan Edwards em um bar chamado Skadarija, Radojcic foi deixado sozinho com seus pensamentos. Ele decidiu que arranjaria um vôo de volta para Manchester com o time, e escrever sua história do ângulo de Manchester, uma olhada no melhor time da Inglaterra visto pelos olhos de um dos mais celebrados jornalistas da Iugoslávia.
Os jogadores já tinham ido dormir quando Radojcic tomou a decisão, então voltou a seu flat, fez uma mala e foi para o aeroporto, e aí que descobriu que deixou seu passaporte em casa. Ele falou para as autoridades do aeroporto para segurar a aeronave até quando fosse possível, enquanto tomou um táxi de volta para casa. Quando voltou ao aeroporto com seu passaporte, o Elizabethan de dois motores já tinha decolado, com destino à Inglaterra via Munique, onde pararia para reabastecer.
Munique
Aqueles a bordo estavam relaxados quando o avião pousou em solo Alemão. Eles tinham jogado cartas, conversado sobre as últimas notícias, leram quaisquer livros e revistas que estavam por perto e passaram o tempo da melhor maneira que podiam. Havia no ar a nervosa apreensão sobre o vôo, mas as cartas e conversas escondiam qualquer medo de voar e alguns até conseguiam por o sono em dia ao invés de ficar olhando para a neve embaixo.
Perto das 14h o G-ALZU AS 57 estava pronto mais uma vez para decolar com o Capitão Kenneth Rayment, o segundo no comando, no controle. O homem encarregado, Capitão James Thains, tinha pilotado o avião desde Belgrado, e seu amigo próximo e colega estava agora levando o ‘Lord Burleigh’ para casa novamente.
As 14h31 a torre de Comando foi avisada que ‘609 Zulu Uniform está em movimento’ e o Capitão Thain mais tarde descreveu o que aconteceu:
“Ken puxou os manches que ficavam entre nós para acelerar e quando eles estavam em total aceleração eu dei um tapinha em sua mão e segurei o manche nessa posição. Ken tirou a sua mão e eu pedi por ‘Força Total’. Os motores soaram estranho enquanto a aeronave acelerava, e o ponteiro da pressão começou a se mexer. Eu senti uma dor em minha mão quando Ken puxou os manches de volta e disse :’Abandone a decolagem’. Eu segurei os controles na frente enquanto Ken acionou os freios. Quarenta segundos depois do início da decolagem, a aeronave estava parada novamente.”
A causa do problema tinha sido um excesso de potência causado por uma mistura muito rica de combustível que fizeram que os motores acelerassem em excesso, um evento que era muito comum no Elizabethan. Enquanto os dois homens falavam sobre o problema, o Capitão Rayment decidiu que ele tentaria uma nova decolagem, dessa vez acelerando gradualmente antes de soltar os freios, e depois indo para força total.
O telegrama que Duncan Edwards mandou para sua mulher em Manchester, avisando-a do atraso … mas uma terceira tentativa de decolagem foi feita. O telegrama foi entregue depois do acidente.
As 14h34 a permissão para a segunda decolagem foi dada pela torre de Comando e pela segunda vez foi abortada. Durante a espera para reabastecimento, os passageiros foram para uma sala tomar café. Agora, depois das duas tentativas abortadas, o grupo estava na sala novamente. Tinha começado a nevar pesado. O lateral Bill Foulkes lembra:
“Tínhamos jogado cartas na maior parte do vôo de Belgrado para Munique, e lembro que saímos da aeronave pensando no quanto frio estava. Tivemos uma tentativa de decolar, mas não saímos do chão, então suponho que alguns a bordo tinham começado a se preocupar um pouco, e quando a segunda tentativa falhou, nós estávamos bem quietos quando voltamos à sala.”
Alguns jogadores devem ter pensado que não iam voar para casa naquela tarde. Duncan Edwards mandou um telegrama para sua mulher em Manchester: “Todos os vôos cancelados, voltando para casa amanhã.” O telegrama foi entregue por volta de 17h.
Bill Foulkes lembra que depois de quinze minutos de atraso os passageiros foram chamados para embarcar novamente, mas foram mais cinco minutos até que todos estivessem de volta na aeronave.
“Alf Clarke do Evening Chronicle tinha ligado para seu escritório e tivemos que esperá-lo. Voltamos a nossos assentos, mas não jogamos cartas dessa vez … Coloquei o baralho no bolso e sentei, esperando a decolagem. Eu estava sentado perto da metade do avião na janela, no lado direito das fileiras. Nossa turma de cartas era Ken Morgans, que estava a minha direita, e na frente estavam David Pegg e Albert Scanlon. Matt Busby e Bert Whalley estavam juntos atrás de nós e lembro que Mark Jones, Tommy Taylor, Duncan Edwards e Eddie Colmam estavam todos na parte de trás.
David Pegg se levantou e foi para o fundo: ‘Eu não gosto daqui, não é seguro’, ele disse e foi se sentar com os outros jogadores. Eu vi o grande Frank Swift lá atrás também, ele também achou que à parte de trás era a parte mais segura para se estar. Havia outra turma de carta no outro lado da fileira, Ray Wood e Jackie Blanchflower estavam em dois assentos, Roger Byren, Billy Whelan e Dennis Viollet nos outros, com um assento vazio entre eles.”
A última fotografia de Henry Rose (direita) e Tommy Taylor passando momentos juntos na aeronave Elizabethan que caiu em Munique.
De volta à cabine de controle, os Capitães Thain e Rayment tinham discutido o problema que tiveram com o engenheiro da estação, William Black, que os disse que o excesso de potência que tiveram era comum em aeroportos como o de Munique por causa da altitude. As 15h03, o 609 Zulu Uniform estava em movimento novamente. Captain Thain descreve a próxima tentativa de decolagem:
“Eu disse para o Ken que se tivermos o excesso de potência novamente, que eu controlaria os aceleradores. Ken moveu a alavanca 28 polegadas, com os freios acionados. Ele continuou a acelerar e novamente eu segui com a minha mão esquerda até que as alavancas estivessem no máximo. Eu o toquei na mão e ele a tirou. Ele disse ‘potência total’ e eu chequei os marcadores e confirmei: ‘Potência total’”.
O Capitão Thain novamente notou que havia um sinal de excesso de potência e avisou o Capitão Rayment sob o barulho dos motores. O excesso foi controlado e o acelerador puxado ao máximo:
“Eu olhei no indicador da velocidade do vento, e vi que registrava 105 nós e estava hesitando. Quando alcançou 117 nós, eu informei ‘V1’ (Velocidade 1, o ponto na pista em que não é mais seguro abandonar a decolagem). De repente o ponteiro caiu para 112 nós, e depois para 105. Ken gritou ‘Cristo, não vamos conseguir’ e eu olhei parra a pista para ver um monte de neve, uma casa e árvores no caminho da aeronave.”
Dentro da cabine dos passageiros, Bill Foulkes sentiu que algo estava errado:
“Havia muita neve voando na janela e um barulho terrível, como quando um carro deixa uma rodovia e começa a andar na terra”.
Sexta Feira, 7 de fevereiro de 1958, e o horror do acidente é revelado. No fundo, a cauda do avião destruída é quase irreconhecível. Essa parte do Elizabethan bateu em uma casa, explodindo em chamas. No centro está a parte principal da aeronave.
O Elizabethan deixou a pista, passou sobre uma cerca e cruzou uma rua antes da asa bater numa árvore. A asa e parte da cauda foram arrancadas e a casa pegou fogo. O cockpit bateu em uma árvore e parte estibordo da fuselagem bateu em uma barraca de madeira que tinha um caminhão cheio de combustível e pneus. Eles explodiram.
Bill Foulkes tinha se agachado em seu assento depois de apertar seu cinto de segurança. Ele lembra depois de um terrível barulho, e depois de ficar inconsciente por alguns momentos, viu um buraco em sua frente.
“À parte de trás da aeronave tinha simplesmente desaparecido. Eu saí o mais rápido que pude e corria, corria. Então eu virei e percebi que o avião não iria explodir, e eu voltei. Na distância eu pude ver a parte da cauda se queimando e enquanto eu voltava correndo me deparei com corpos. Roger Byrne ainda preso em seu assento, Bobby Charlton deitado em outro, e Dennis Violet. Então Harry Gregg apareceu e tentamos ver o que poderíamos fazer para ajudar.”
Os dois colegas ajudaram os machucados. Matt Busby, machucado gravemente, foi levado em uma maca, Bobby Charlton tinha andado até Gregg e Foulkes e foi ajudado a entrar em um mini-ônibus, sentado ao lado de Dennis Viollet nos bancos da frente, enquanto outros sobreviventes eram recolhidos. Foram levados ao Hospital Rechts de Isar em Munique. Era o dia seguinte até que o verdadeiro horror da tragédia se tornou evidente para Bill Foulkes e Harry Gregg:
“Nós entramos e vimos Matt em uma tenda de oxigênio, e Duncan Edwards, que parecia muito machucado. Bobby Charlton tinha uma bandagem na cabeça, Jackie Blanchflower estava cuidando de um braço quebrado que tinha sido imobilizado por Harry Gregg na neve da noite anterior. Albert Scanlon deitava com seus olhos fechados, ele tinha uma fratura no crânio, e Dennis Viollet tinha uma perna machucada e contusões faciais. A face de Ray Wood estava cortada, e Ken Morgans e Johnny Berry estavam deitados imóveis em suas camas. Eu falei com uma enfermeira e ela me disse que achava que Duncan tinha uma chance maior de se recuperar completamente do que Johnny…
Nós encontramos Frank Taylor em outra cama; ele era o único jornalista por lá e ele perguntou se queríamos tomar uma cerveja com ele. Como nós, ele não sabia as implicações totais do acidente da tarde anterior. Estávamos para deixar o hospital quando eu perguntei para uma enfermeira onde poderíamos ir para ver o resto dos garotos. Ela pareceu confusa então eu perguntei novamente: ‘Aonde estão o resto dos sobreviventes ?’ … ‘Outros ? Não tem outros, estão todos aqui.’ Foi só aí que soubemos do horror de Munique. Os Busby Babes não existiam mais.”
Bobby Charlton, com 20 anos na época, senta na cama do goleiro Ray Wood no hospital Rechts der Isar em Munique, dias depois da tragédia. Charlton se recuperou a tempo de jogar na sexta fase da FA Cup em 1º de março de 1958, mas Wood perderia seu lugar no time para Harry Gregg nas semanas seguintes.
Roger Byrne, Geoff Bent, Mark Jones, David Pegg, Liam Whelan, Eddie Colman e Tommy Taylor tinham sido mortos instantaneamente. O secretário do clube Walter Crickmer também morreu, junto com os assistentes do time, Tom Curry e Bert Whalley.
Duncan Edwards e Johnny Berry estavam em estado crítico e lutando por suas vidas, Matt Busby tinha severas contusões e foi o único dirigente do clube a sobreviver.
Oito dos nove jornalistas a bordo também faleceram: Alf Clarke, Don Davies, George Follows, Tom Jackson, Archie Ledbrooke, Henry Rose, Eric Thompson e o gigante gentil, Frank Swift. Um comissário também morreu, junto com outros dois passageiros: o agente de viagem que tinha cuidado dos detalhes do vôo, e um torcedor que tinha ido ver o jogo. Nove jogadores sobreviveram, mas dois deles, Johnny Barry e Jackie Blanchflower – irmão de Danny, do Tottenham Hotspur – nunca mais jogaram.
Dois fotógrafos, a mulher do agente de viagem, e dois passageiros Iugoslavos, um com jovem bebê sobreviveram, junto com Frank Taylor. Na tarde da tragédia, 21 pessoas morreram, 18 sobreviveram, quatro das quais estavam perto da morte.
Dessas quatro, Duncan Edwards, Matt Busby, Johnny Berry e o capitão Kenneth Rayment, duas sobreviveram. Três semanas depois do acidente, que ficou conhecido apenas como “Munique”, Duncan Edwards e Kenneth Rayment perderam suas batalhas pela vida.
Manchester de Luto
Na tarde da tragédia, Alf Clarke tinha telefonado para o Evening Chronicle para dizer que ele achava que o vôo sairia atrasado por causa do tempo e fez arranjos para voltar no dia seguinte. Por volta de 3h da tarde o jornal tinha mais ou menos “ido dormir”, e as edições finais estavam saindo de Withy Grove. Em outras partes da cidade as equipes dos jornais diários estavam começando suas rotinas. Repórteres estavam saindo das redações, sub-editores estavam vasculhando nas agências as histórias que formariam a base das edições da sexta-feira de manhã.
Naquele fim de semana o United jogaria com os líderes do campeonato, Wolves, em Old Trafford. Mesmo com a longa jornada de volta, parecia que eles estavam em forma e que tirariam a vantagem de quatro pontos do líder, colocando-os a apenas uma vitória do time de Billy Wright, e prontos para aumentar os esforços para chegar ao tricampeonato. Conseguiria o United emular o Huddersfield Town e o Arsenal ? Certamente se conseguissem seria um evento ainda maior do que aqueles dos dias do Pré-Guerra. Sábado estava chegando novamente. O United seria manchete. Até que no teleprinter veio uma mensagem inacreditável: “O avião do Manchester United bateu na decolagem … temida grandes perdas de vida.” A BBC interrompeu sua programação da tarde para transmitir a mensagem. O mundo do futebol ouviu as palavras, mas poucas entenderam seu significado.
Jimmy Murphy, o amigo dos tempos de guerra de Matt Busby, e agora seu assistente, era técnico da seleção do País de Gales, e um jogo das eliminatórias da Copa tinha coincidido com o jogo contra o Estrela Vermelha. Murphy disse a Matt Busby que ele iria para a Iugoslávia ao invés do jogo em Cardiff, mas seu técnico lhe disse que seu lugar era ao lado da seleção.
“Eu sempre sentava ao lado de Matt nas viagens na Europa,” lembra Murphy, “mas eu fiz o que ele me disse e o deixei ir para a Iugoslávia sem mim. Mas eu tenho que ser honesto – minha cabeça estava mais em nosso jogo lá do que no jogo que eu assistia; Eu não gostava de não estar lá.” Ele tinha acabado de voltar para Old Trafford, quando as notícias do acidente chegaram. Alma George, a secretária de Matt Busby, lhe contou que o vôo fretado tinha caído. Murphy não reagiu.
“Ela me disse novamente. Ainda não caiu a ficha, e aí ela começou a chorar. Ela disse que muitas pessoas morreram, ela não sabia quantos, mas os jogadores morreram, alguns deles. Eu não conseguia acreditar. As palavras pareciam vagas na minha cabeça. Alma me deixou e fui para meu escritório. Minha cabeça estava confusa e eu comecei a chorar.”
No dia seguinte, Jimmy Murphy voou para Munique e ficou chocado com o que viu:
Matt Busby deitado na cabana de oxigênio, lutando pela vida no Hospital Rechts der Isar
“Matt estava na cabana de oxigênio e me disse para ‘manter a bandeira tremulando’. Duncan me reconheceu e falou. Foi um tempo terrível, muito terrível.”
Foi dada a Murphy a tarefa de reconstrução. A vida continuava apesar da tragédia, e o Manchester United jogaria novamente:
“Eu não tinha jogadores, mas tinha uma tarefa a fazer.”
Depois que as notícias chegaram aos jornais da noite de Manchester, edições extras foram publicadas. No início, os detalhes foram impressos no Stop Press. Lá pelas 6h da tarde uma edição especial do Manchester Evening Chronicle estava a venda:
“Por volta de 28 pessoas, incluindo membros do time de futebol do Manchester United, dirigentes e jornalistas são estimados mortos depois que um avião BEA Eizabethan bateu logo depois da decolagem em uma tempestade de neve no aeroporto de Munique nesta tarde. Estima-se também que 16 sobreviveram, quatro deles sendo da tripulação da aeronave”.
O jornal, que trazia a reportagem e comentários de Alf Clarke do jogo da noite anterior, dizia na primeira página: ‘Alf Clarke estava falando com os repórteres do Evening Chronicle em Manchester por volta de 2:30 da tarde quando disse que ‘era difícil de o avião decolar hoje’. Mesmo embora tenham passado apenas três horas desde o acidente, o jornal tinha um relato detalhado de como o desastre ocorreu.
Vinte e quatro horas depois, com a Europa inteira reagindo às notícias da tragédia, o Evening Chronicle listou os 21 mortos em sua primeira página, sob a manchete: ‘Matt luta pela sua vida: 50% de chance agora’. Havia uma imagem de Harry Gregg e Bill Foulkes ao lado da cama de Ken Morgans, e detalhes de como os outros machucados estavam respondendo ao tratamento. As nuvens da confusão tinham subido – Munique dizia que 21 sobreviveram, 15 estavam machucados e, desses, quatro jogadores e Matt Busby estavam em estado grave.
Trabalhadores prestam seus respeitos quando o cortejo saiu de Old Trafford. Os fãs fizeram vigília no estádio, com o mundo do futebol de luto com a morte dos Babes.
Nos dias que seguiram, Manchester continuava o luto e os corpos de seus famosos heróis do futebol foram transportados de avião para casa, e permaneceram à noite no ginásio embaixo da arquibancada principal, antes de serem deixados para os parentes fazerem seus funerais. Hoje o ginásio é o lugar onde a sala dos jogadores foi construída, onde aqueles que sucederam os Babes se juntam depois de um jogo para conversar e beber com os adversários.
Milhares de torcedores apareceram para prestar seus respeitos. Quando as famílias requisitavam que os funerais fossem particulares, os fãs ficavam longe dos túmulos, mas faziam fila na rota do cortejo, com lágrimas silenciosas.
Um documentário mostrava os relatos de Munique, e o futebol retribuía com funerais, campos silenciosos onde haviam jogos, cabeças abaixadas, e juizes indicando um minuto de silêncio. Desmond Hackett escreveu um epitáfio emocionante para Henry Rose, cujo funeral foi o maior de todos. Mil motoristas de táxis ofereceram seus serviços de graça para qualquer um que estivesse indo ao funeral e houve uma fila de 10km no cemitério Manchester Southern. O cortejo parou um instante na frente do escritório do Daily Express onde Hackett escreveu no estilo de Henry: “Até o céu chora por Henry Rose hoje…”
O Futebol Retorna a Old Trafford
Clubes rivais ofereceram ajuda ao United. O Liverpool e o Nottingham Forest foram os primeiros a perguntar se poderiam ajudar em algo. O Futebol tinha sofrido um grande baque. Para dar uma chance de sobrevivência ao United no futebol, a FA tirou sua regra de que um jogador não pode jogar por mais de uma equipe na mesma competição, então se fosse contratado por um outro time, teria que ficar afastado até a próxima temporada. A necessidade do United de jogadores era desesperadora, e a mudança da regra permitiu que Jimmy Murphy começasse a reconstruir o time, contratando Ernie Taylor do Blackpool.
O Manchester United respirou fundo. O Futebol retornaria a Old Trafford. Treze noites depois que as notícias de Munique chegaram a Jimmy Murphy, os dias de tortura terminaram quando o United jogou novamente. Seu jogo remarcado da FA Cup contra o Sheffield Wednesday levou uma multidão de 60.000 pessoas em uma fria noite de fevereiro cheia de emoção. Os espectadores choravam sem vergonha, muitos usavam seus cachecóis vermelho e branco com faixas pretas – preto, vermelho e branco se tornariam às cores oficiais do United – e a revista de programação do jogo deu a pincelada final na trágica pintura.
Embaixo da manchete “Manchester United”, havia uma escalação em branco do time. Os espectadores foram instruídos a escrever os nomes dos jogadores. Poucos fizeram, simplesmente ouviram em silêncio enquanto o narrador do estádio anunciava o time. Harry Gregg no gol e Bill Foulkes na lateral direita tinham voltado depois dos traumas de Munique, e os outros nomes não eram tão familiares.
Na lateral esquerda estava Ian Greaves que tinha jogado pelo time júnior do United, e se viu substituindo Roger Byrne:
“Eu lembro que o vestiário estava muito quieto. Eu não conseguia tirar Roger da minha cabeça, eu estava me trocando onde ele deveria estar sentado. Eu estava usando a sua camisa…”
No meio de campo, lado direito, estava Freddie Goodwin, que veio do time reserva depois de se juntar ao United com 20 anos. Ele tinha jogado suas primeira partidas na temporada 1954-55. Outro reserva era o defensor Ronnie Cope, que veio do time júnior depois de chegar ao clube em 1951. Outro meio campista, pelo lado esquerdo, era Stan Crowther, cuja transferência para o United foi inesquecível. Ele jogou pelo Aston Villa, e não estava muito afim de deixar seu clube, lembra Jimmy Murphy:
“ric Houghton era o técnico do Vila na época e ele disse a Stan que nós tínhamos interesse nele. Ele não queria deixar o Vila, mas Eric o fez vir a Old Trafford para ver o jogo contra o Sheffield Wednesday. No caminho, ele lhe disse que achava que ele devia nos ajudar, mas Stan disse que ele não havia trazido nenhum material. ‘Não se preocupe, eu trouxe suas chuteiras na minha mala’, disse Eric. Nós nos encontramos as 17h30, e uma hora antes do jogo ele assinou o contrato !”
Colin Webster na ponta direita, veio em 1952 e estreou na temporada 1953-54. Ganhou o título em 1956 depois de 15 aparições, mas desde então foi relegado por Johnny Berry. Ernie Taylor estava no ataque também, liderado por Alex Dawson, um escocês que estreou com 16 anos em abril de 1957, marcando contra o Burnley. Na esquerda estava Mark Pearson, que ganhou o apelido de ‘Pancho’ por causa da aparência mexicana que suas costeletas o davam. Como o Pearson que o sucedeu, Stan, e o outro que viria quase duas décadas mais tarde, Stuart, Mark era um jogador poderoso e um artilheiro por times menores. Aquela noite ele deus os primeiros passos de sua carreira profissional. O novo ponta esquerda era Shay Brennan, que era um lateral reserva. Tamanho era o apuro do United, o jovem de 20 anos não começou sua carreira como lateral direito, e sim na ponta esquerda.
O Sheffield Wednesday não teve chance. O Manchester de Murphy estava jogando pela memória de seus amigos que tinham morrido há pouco. A paixão da multidão os levavam. Dizer que alguns jogaram mais do que podiam seria injusto, mas com o Wednesday talvez mais afetado pela ocasião do que os jovens e novos jogadores, o placar final foi 3-0 United.
Jogando no Sheffield estava Albert Quixall, que mais tarde se transferiria para o United com preço recorde, que lembra:
“Eu não acho que ninguém que jogou ou viu aquele jogo jamais esquecerá aquela noite. O United correu demais, e não importava quão bem nós jogássemos, eles ganhariam. Eles jogavam como homens inspirados. Não jogávamos contra onze jogadores, jogávamos contra os 60.000 fãs também.”
O United marcou aos 27’ minutos, depois de dois erros de Brian Ryalls no gol do Wednesday. Bill Foulkes bateu uma falta de longe, e seu chute iria para fora, quando Ryalls espalmou para escanteio. Parecia não haver perigo no chute, mas o escanteio de Brennan lhe deu seu primeiro gol profissional. Ryalls tentou agarrar o cruzamento embaixo da trave, mas jogou a bola para o fundo do seu próprio gol.
Brennam marcou novamente mais tarde, quando um chute de Mark Pearson foi rebatido pelo goleiro no seu pé. Ele não perdoou, United 2-0. Cinco minutos antes do fim daquela inesquecível noite, Alex Dawson marcou o terceiro. O United chegou as quartas de final da FA Cup. A multidão voltou para a casa, suas cabeças cheias de memórias daquele jogo memorável, seus corações cheios de tristeza quando perceberam a extensão do acidente de Munique. O novo time tocou o barco quando os Babes os deixaram… mas nunca mais veriam seus heróis.
Dois dias depois daquele jogo, Duncan Edwards perdeu a batalha para sobreviver, e a tristeza de Munique foi reacesa
Despedida
O Manchester United tinha que continuar, e o presidente Harold Hardman tinha deixado isso claro na revista da programação no jogo contra o Sheffield Wednesday:
“O United seguirá… o clube tem um dever com o público e um dever com o futebol. Devemos continuar mesmo que isso signifique uma grande derrota. Aqui está uma tragédia que nos entristecerá por muitos anos, mas não estamos sozinhos nesta. Uma união sem precedentes no futebol britânico tocou os corações de milhões. Aonde se jogar futebol, o United será motivo para luto.”
Nas semanas seguintes da tragédia foram reveladas histórias reveladoras sobre os jogadores que perderam suas vidas:
– Roger Byrne saberia quando voltasse a Manchester que sua esposa Joy estava grávida. 38 semanas depois de sua morte, Roger teve um filho.
– Geoff Bent guardava uma foto dele tirando a bola de Tom Finney em um dos 12 jogos da Primeira divisão que ele jogou, e o recorte de jornal foi guardado por sua jovem esposa, Marion. Sua filha Karen era um bebê de colo quando ele morreu.
– Eddie Colman, o “Cheekie Chappie”, de Salford, tinha passado apenas três meses do seu 21º aniversário quando morreu.
– Duncan Edwards, o mais jovem jogador a jogar pela Inglaterra, estava planejando se casar com sua noiva, Molly. Ele era jogador profissional há apenas 4 anos, e tinha 22 anos. Hoje, uma janela colorida na igreja de St Francis em sua terra natal, Dudley, permanece como um tributo a um grande jogador.
– Mark Jones deixou uma jovem esposa, June, e um filho bebê, Gary. O ex-pedreiro tinha apenas 24 anos. Ele amava seu labrador preto, Rick. O cachorro sofreu, ficou doente, até morrer logo depois do desastre.
– David Pegg tinha apenas 22 anos e tinha se estabelecido na seleção da Inglaterra, numa época que Tom Finney e Stan Matthews estavam terminando suas carreiras internacionais. Sua ambição era ter sucesso com o United, um feito que alcançou.
– Tommy Taylor também planejava se casar, e tinha falado para sua noiva, Carol, que ele não via a hora de chegar em casa de Belgrado para tomar uma cerveja Guinness e ouvir seus discos com ela.
– Liam Whelan era um garoto muito religioso, e Harry Gregg se lembra vividamente suas últimas palavras enquanto a aeronave acelerava na pista: ‘Se o pior acontecer, eu estou pronto para morrer… eu espero que todos estejamos.’
Onze anos depois, uma investigação oficial liberou o Capitão James Thain de qualquer responsabilidade pelo acidente. A causa oficial foi que uma mistura de neve derretida na pista que fez com que o Elizabethan não conseguisse atingir a velocidade para decolar.
Graças ao acidente aéreo de Munique, um vínculo entre o Manchester United e seus torcedores foi criado. Desde aquele dia, o clube tem sido um dos que tem mais torcedores na Inglaterra, e mesmo que nunca tenha atingido a dominação que era temida, pelos talentos dos Babes, desde a temporada 1972-73 os públicos em Old Trafford tem sido os maiores da Football League. Qualquer um que era torcedor naquela época se manteve leal ao clube. Aqueles que vieram depois talvez não tenham entendido a magnitude das perdas do clube, mas absorveram o significado do acidente. Foi um dia que um time morreu, mas ainda continua a jogar.
AS FLORES DE MANCHESTER
Uma fria e azeda Quinta Feira em Munique, Alemanha,
Oito devotos jogadores de futebol deram a vitória,
Oito homens nunca mais jogarão, que encontraram destruição lá,
As Flores do futebol Britânico, as Flores de Manchester.
Os garotos de Matt Busby voavam, retornando de Belgrado,
Essa grande família United, todos mestres em seus trabalhos,
O piloto da aeronave, o Capitão Thain,
Três vezes tentaram levantar vôo, e duas voltaram novamente.
A terceira vez na pista o desastre se aproximou,
Havia neve na pista e a aeronave nunca levantou,
Embicou no solo pantanoso, quebrou, virou
E oito do time foram mortos quando a fuselagem se queimou.
Roger Byrne e Tommy Taylor que eram da seleção da Inglaterra
E o Irlandês Billy Whelam e o Inglês Geoff Bent morreram,
Mark Jones, Eddie Colman e David Pegg também,
Perderam suas vidas quando embicaram na neve.
O Grande Duncan se foi também, com um machucado para seu retrato,
E o bravo Irlandês Jack Blanchflower nunca mais jogará,
O grande Matt Busby ficou lá, o pai desse time,
Três longos meses se passaram até ver seu time novamente.
O treinador, auxiliar e secretário, e um membro da tripulação,
Também oito jornalistas esportivos voaram com o United,
E um deles, Big Swifty, quem nunca vamos esquecer,
O melhor goleiro Inglês que já vimos entre as traves.
Oh, o melhor futebol da Inglaterra, é realmente grandioso,
Seu sucesso orgulhoso gozado por uma cruel mudança no destino.
Oito homens nunca mais jogarão, que encontraram destruição lá,
As Flores do futebol Britânico, as Flores de Manchester.
versão original em Inglês:
THE FLOWERS OF MANCHESTER
One cold and bitter Thursday in Munich Germany,
Eight great football stalwarts conceded victory,
Eight men will never play again who met destruction there,
The Flowers of British football, the Flowers of Manchester.
Matt Busby’s boys were flying, returning from Belgrade,
This great United family, all masters of their trade,
The pilot of the aircraft, the skipper Captain Thain,
Three times they tried to take off and twice turned back again.
The third time down the runway disaster followed close,
There was slush upon that runway and the aircraft never rose,
It ploughed into the marshy ground, it broke, it overturned
And eight of the team were killed when the blazing wreckage burned.
Roger Byrne and Tommy Taylor who were capped for England’s side
And Ireland’s Billy Whelan and England’s Geoff Bent died,
Mark Jones and Eddie Colman, and David Pegg also,
They lost their lives as it ploughed on through the snow.
Big Duncan he went too, with an injury to his frame,
And Ireland’s brave Jack Blanchflower will never play again,
The great Matt Busby lay there, the father of his team,
Three long months passed by before he saw his team again.
The trainer, coach and secretary, and a member of the crew,
Also eight sporting journalists who with United flew,
And one of them Big Swifty, who we will ne’er forget,
The finest English ‘keeper that ever graced the net.
Oh, England’s finest football team its record truly great,
Its proud successes mocked by a cruel turn of fate.
Eight men will never play again, who met destruction there,
The Flowers of English football, the Flowers of Manchester.